domingo, 1 de junho de 2008

Do “rolo” ao artesanato



Nas ruas da cidade se pratica a mais velha forma de comércio do mundo, fui conferir detalhes dessa atividade tão próxima dos paulistanos. 







Por Lindemberg Rocha


As feiras de artesanatos que acontecem no centro velho da capital e as feiras do rolo nos extremos da região metropolitana. Comprovam o patrimônio cultural paulistano que milhares de famílias são capazes de produzir diariamente.


Divididos geograficamente, as feiras livres e as de “rolo” apresentam certas diferenças no público freqüentador.


Na primeira, observa-se um público mais exigente de poder aquisitivo maior, que busca produtos com qualidade. Já nas famosas e polêmicas feiras do “rolo”, a preocupação dos freqüentadores é com menor preço. A qualidade fica em segundo plano, isso não representa ignorância, mas sim uma questão de prioridade.


Desses “filhos” legítimos ou adotados da “mãe” acolhedora que é a cidade de São Paulo. Tanto a artesã autorizada pela prefeitura, quanto o mecânico “marginalizado”, são personagens merecedores de reconhecimento pelo o que fazem, a apesar da adversidade que enfrentam, são essas histórias de vida e de trabalho que será contada nessa reportagem.


Passando a limpo

Alguns quilômetros de distância da sede da prefeitura, nossa reportagem foi conferir uma feira do rolo que acontece todos os domingos há 20 anos. Em São Miguel Paulista, zona leste, uma das maiores na Cidade. Contém quase dois quilômetros de extensão, um número variável de produtos usados e novos, peças de carros, controles remotos velhos, frentes de aparelho de som para carros, baterias, bonecas velhas e CDs.

Aliás, música é o que não falta, até confundem-se os ritmos na mistura de sons. Até super-herói mascarado aparece vestido com uma fantasia meio Batman, meio Super-Homem, com intuito de chamar a atenção e conseguir vender seus bonequinhos de promoções antigas de empresas de refrigerantes.

João de Lima Lins, pai de cinco filhos, 45 anos, há 20 trabalha em feiras livres, vendendo brinquedos, pilhas e produtos eletrônicos. Ele Informou que a feira de São Miguel é especial por dois motivos: primeiro porque tem um grande retorno nas vendas; segundo pela estabilidade de emprego, trabalha há cerca de dez anos.

O ambulante relatou que, apesar de aparentar desorganização, de certa forma a feira é organizada. Os feirantes montam suas barracas no meio da rua, como é de costume; já os chamados "roleiros", ficam nas calçadas, em um espaço que não atrapalhe a circulação dos clientes. Esta definição veio depois que ocorreram brigas entre essas duas categorias.

Marginalização do trabalho

Mais a frente, encontramos Tony [nome fictício. Por receio, o entrevistado não quis se identificar]. Mecânico, nos finais de semana disponibiliza peças de carros, controles remotos e outros objetos usados para vender e trocar. Não especificou quem fornecia os produtos, mas garantia que se trata de objetos doados e trocados por outros produtos.

“Essa história de jogar todo mundo no mesmo ‘barco’ é cachorrada! Levo a vida honestamente. Não sou ladrão. Desde que me entendo por gente é assim: a corda sempre arrebenta do lado mais fraco”, afirma com energia. Informou também que a difícil situação financeira o pôs ali: “Aqui, complemento a minha renda. De alguma forma tenho que conseguir o leite das minhas quatro crianças ", acha preconceito o que dizem sobre as feiras do rolo, "todos aqui são pais e mães de família", desabafa Tony.

Na barraca de laranja, o feirante Nilton, 43 anos, falou um pouco sobre sua vida. Além desse local, disse que atua em feiras noturnas no centro da cidade. Relata que a feira cresceu rápido, porque há seis meses a Prefeitura interditou a de São Mateus: "Trabalho há dez anos como feirante. Vendo laranja, nesses últimos três anos, vi o fluxo de pessoas aumentar consideravelmente, melhorou as vendas, apesar da má organização”.

Além disso, atribui as melhorias à inauguração, há um ano, da passarela da Estação Santa Helena da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) que contribuiu para o acesso à feira. Antigamente, segundo o feirante, as pessoas tinham que utilizar um viaduto distante do local e muitos freqüentadores, para economizar tempo, atravessavam a linha do trem por uma das frestas do muro de segurança, e, por conseguinte, ocorreram muitos acidentes.

Outra realidade

Na Praça da República, centro velho, acontece uma das feiras de artesanato mais tradicionais de São Paulo. Neste começo de ano a prefeitura fez um trabalho de revitalização, beneficiando os freqüentadores e ambulantes que trabalham em torno da praça. Em frente a uma mureta que dá acesso ao metrô, uma ambulante, algo chama sua atenção. Nada de especial, curiosidade de observar a movimentação da câmera e do gravador da reportagem próximos a sua barraca.

Maria Lucia Batista, 42 anos, casada, mãe de dois filhos. Artesã, não gosta do pseudônimo ambulante, pois o considera pejorativo demais. Ela e o marido folgam às segundas-feiras de cada mês, entretanto, no resto da semana é só trabalho, e este se torna maior aos sábados e domingos, dias em que, normalmente, a cidade se acalma, mas para eles, não. Lúcia conta que trabalha à noite inteira e que, com o marido montam as barracas de quase todos os ambulantes da feirinha da República, e outras no Parque Dom Pedro II.

Começam esse trabalho na sexta-feira à noite e só acabam na manhã do dia seguinte, quando chegam os clientes. Esta maratona de trabalho só chega ao fim no domingo à tarde, quando as barracas são desmontadas. O casal possui quatro standes de artesanato, duas em cada feira [República e Dom Pedro II]. Sob a mesa, diversos acessórios: pulseiras de madeira com detalhes feitos a mão, brincos com pedras coloridas. Já no outro estande, flores de vários formatos e tamanhos, confeccionadas com folhas, cascas, galhos de árvores e plantas secas.

A mineira decidida

Em meados da década de 70, já fazia artesanato com pedras coloridas para aumentar a renda, na época morava com a irmã em um cortiço no bairro do Brás. Naquele período, as duas, ainda bem jovens, vieram sozinhas para São Paulo à procura de trabalho, pois, no sítio no interior de Minas, a vida era difícil. De família de sete irmãos, ainda criança, já sabia segurar na enxada para ajudar no plantio da roça.

O trabalho, que tomava todo seu tempo, fez com que não freqüentasse a escola, via pouca perspectiva de futuro, ali isolada no sítio da família. Então, quando mais velha decidiu com a irmã que iriam para São Paulo. O que sabiam da cidade era por intermédio de outras pessoas que aqui estiveram. Passaram-se, portanto, mais de trinta anos. Hoje, a artesã Maria Lúcia, considera-se feliz, diz não passar por privações e que consegue dar uma vida razoável aos filhos.

A família em Minas, pouco tem notícia, pois só retorna lá, a cada três a quatro anos para matar a saudade. “Posso ter errado em várias decisões que tomei nessa vida, mas da loucura de tentar a vida em outro lugar me orgulha bastante”, declara. “Quando jovem, parecia que eu não era dali (Sítio em Minas Gerais), roça sabe... Algo me dizia para sair e viver de forma diferente”. E explica Lúcia, foi da habilidade com as mãos em fazer artesanato que construiu um futuro melhor para si.

Percalços da rotina

Lúcia diz que já presenciou assaltos e até assassinato à noite nas praças, mas, amparada pela fé que possuí em Deus, reza que jamais aconteça algo ruim. Julga-se determinada, corajosa e continuará tocando a vida. “Depois que reformaram a praça [República] e nos tiraram de lá, ela ficou sendo freqüentada por mendigos, garotos de rua, os quais consomem drogas constantemente. Fizemos um ‘rateio’ e contratamos pessoas que fazem a segurança do local nos dias de feira, porque se fossemos esperar atitude da polícia ou da guarda civil, estaríamos perdidos”, conta a artesã.

Nenhum comentário:

Postar um comentário